Raquel de Queiroz
Eu não sou uma otimista incondicional antes pelo contrário. Mas assim mesmo sinto que as cantigas andam no ar, que há por aí muita gente feliz por viver e ser moço. Ou por ser velho e sobreviver.
Ninguém está pedindo para se pintar este nosso mundo sofrido e belicoso como um Jardim de Amores. Mas há que dosar, ao menos.
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O locutor na TV, charmoso, sorridente e começa o noticiário. Mas logo nas chamadas já está soltando em cima da gente os quatros cavaleiros do Apocalipse – a Peste, a Guerra, a Fome e a Morte.
São os massacres entre israelenses e palestinos, os atentados dos terroristas bascos, é a criminalidade na África do Sul ameaçando a volta ao famigerado regime do apartheid, é o mal da “vaca louca” se espalhando pelo mundo, são as drogas, são os skin-heads, no seu idiota exibicionismo, tatuando-se com cruz gamada – símbolo de tantos horrores. É a multiplicação da Aids pelo mundo. Os aviões que caem, os navios que afundam, os trens que viram, fazendo cada qual suas centenas de vítimas. Desgraças é que não faltam para contar e comentar.
E o Brasil contribui com parte larga no rol das aflições. Que vão das secas do Nordeste – agora não só no Nordeste – aos conflitos agrários, passando pelos escândalos do congresso, as CPI’s, o desemprego, custo dos remédios – ai dos velhos! – a violência, a má saúde do povo. Os desastres ecológicos, a ameaçada sobrevivência dos índios, a destruição das florestas!
Será que no planeta e no Brasil não acontece nunca uma coisa boa, para compensar? Se acontece, eles não contam. “Não é notícia”. Novidade boa não interessa. O que eles querem é ver sangrar.
O nosso saudoso mestre Rubem Braga, numa crônica famosa tratou deste assunto com propósito e poesia. Não adiantou. A mídia impressa e eletrônica só quer mesmo o choro e o ranger de dentes.
Bem que, só para equilibrar, poderiam noticiar alguns fatos amenos do cotidiano.por exemplo, que os passarinhos do Jardim Botânico estão dando festa (eu vi). Que neste verão a floração das orquídeas foi promissora.
Que a mocidade, nas praias do nosso imenso litoral atlântico, mostra-se cada vez mais linda e dourada.
Que o sertão está lindo, verde e florido, os açudes cheios, já começando, promissora, as safras de milho e feijão.
E porque não se apresenta na TV a imagem da revoada matinal das crianças em direção às escolas, os milhões que vão às aulas (apesar dos outros milhões que não tem escola para onde ir, é verdade). E os ricos rebanhos de gado do Centro-Oeste, graças a Deus livres da febre aftosa e do terrível mal da “vaca louca”, e os queijos de Minas, e as uvas de irrigação do São Francisco, e os abacaxis da Paraíba, e as trutas da Serra da Bocaína? Clamavam antes contra o besouro bicudo que iria exterminar os algodoais do Nordeste, mas agora ninguém se apressa em informar que o bicudo esta acabado.
Eu não sou uma otimista incondicional antes pelo contrário. Mas assim mesmo sinto que as cantigas andam no ar, que há por aí muita gente feliz por viver e ser moço. Ou por ser velho e sobreviver.
A não ser propaganda ideológica ou propaganda paga, só é notícia o que vai mal. Fala-se bem de Cuba, lá é o Paraíso, claro. Tem muita gente interessada em espalhar isso. Mas, fora Cuba o que acham eles que vai bem? (Falei em Cuba por falar, é vezo antigo, mas não posso deixar de mencionar essa mágica reaparição do Buena Vista Social Club, com o lastro da sua riquíssima música cubana, que vem conquistando até as novas gerações.).
Ninguém está pedindo para se pintar este nosso mundo sofrido e belicoso como um Jardim de Amores. Mas há que dosar, ao menos.
Se, por exemplo, um grande desastre aéreo tem que ser noticiado, a ninguém ocorre à idéia de lembrar que, na hora mesma do acidente, várias centenas de milhares de aviões voavam em segurança, levando milhões de passageiros a bom destino.
Falei acima em ideologias, mas nem creio que seja mesmo ideológica essa sinistrose compulsória que ataca os meios de comunicação.
Será, antes, uma geral tendência masoquista. A paixão pelo sensacionalismo mórbido. O apelo às bruxas, esse apelo pra baixo e profundo que a mocidade chama com tanta propriedade de baixo astral.
Crônica de: Raquel de Queiroz
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Tomado pelas felizes observações deflagradas pela admirável escritora Raquel de Queiroz, no texto onde a mesma numa consonância de idéias sobre o sensacionalismo exacerbado que permeia o nosso cotidiano, vivificado nas diversas e fatídicas formas de violência retratada nos vários produtos de mídia, legitimando a exclusão; o desrespeito; o egoísmo; a inversão de valores; a falta de humanidade e de humanização e a própria pessoa “humana”, remeti-me ao saudosismo poético da banda Legião Urbana dos anos 80, quando Renato Russo já dizia na música METRÓPOLE (Renato Russo) do disco Legião Urbana Dois / 1982, “... É sangue mesmo, não é mertiolate / E todos querem ver e comentar a novidade / É tão emocionante um acidente de verdade / Estão todos satisfeitos com o sucesso do desastre: Vai passar na televisão... vai passar na televisão...”.
manollo ferreira
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